domingo, 1 de junho de 2014

QUEM DERRUBOU O PREFEITO DE AMERICANA?

Não foi uma revista “que não contém crítica a ninguém” que derrubou Diego de Nadai. Não foram os senhores Antônio Mentor ou Omar Najar que o derrotaram “na frieza dos tribunais”. O prefeito e seu vice também não foram cassados por meras “suposições”. A chapa que venceu as eleições de 2012 em Americana só pode sentir o “sabor da vitória nas urnas” porque, em seu favor, atuou um elemento extremamente poderoso, inimigo oculto de seus adversários. Diego foi cassado porque o processo judicial juntou provas bastantes de que sua candidatura foi favorecida pelo abuso do poder econômico. Quando recebemos, no escritório jurídico da campanha do PT durante as eleições de 2012, o primeiro exemplar da revista preparada por seus marqueteiros, não tivemos dúvida: foi tiro no pé, comentamos entre nós, advogados e assessores. É certo que esse foi, inicialmente, um juízo político. Achávamos que a ostentação de luxo e riqueza daquela peça de propaganda calaria fundo na consciência dos eleitores e que a candidatura tucana perderia votos, ao invés de ganhar. O resultado das urnas mostrou o contrário, porém. O eleitorado parece mesmo suscetível a encantar-se com a demonstração de força dos poderosos, concluí. Logo em seguida surgiu o juízo jurídico. Conferidos os detalhes da revista, não foi difícil avaliar o custo real de sua confecção. A tiragem anunciada, o número de páginas, a luxuosidade das imagens e do papel utilizado (couchê brilhante), a logística necessária para confeccionar e distribuir seus 75 mil exemplares, a par de diversos outros elementos, levaram-nos à conclusão de que aquela peça de propaganda haveria de ter custado em torno de R$1 milhão. Estávamos na reta final da campanha e esse valor, se declarado à Justiça, significaria grave extrapolação do limite máximo de gastos indicado pelos próprios candidatos no início do período eleitoral, implicando na aplicação de pesada multa (cinco vezes o valor extrapolado). Estávamos certos. A prestação de contas não trouxe, como achávamos que não traria, a declaração do valor real do custo da revista. Mas não contávamos com outro tiro no pé, a apresentação de um valor tão ínfimo, singelos R$150 mil. Quem tem experiência com produções gráficas sabe que esse preço era inexequível. Tão impraticável que os próprios documentos anexados à prestação de contas concederam a pista que nos levou ao conhecimento da verdade. A par de uma nota fiscal que indicava o valor unitário de R$2,00, logo em seguida, datadas de poucos dias depois, havia outras quatro notas de “saída”, necessárias para transporte da gráfica em Itaquaquecetuba até o destino final em Americana, emitidas em numeração sequencial não contínua, que estampavam o valor de R$4,66 por cada exemplar. Uma diferença de R$200 mil – de R$150 mil para R$350 mil - que, por si só, significava 20% do limite de gastos previstos, que era de R$1,1 milhão. Se declarada, os candidatos poderiam arcar com uma multa de um milhão de reais. Mas isso tudo era apenas a ponta do iceberg, pois nem os R$350 mil representavam o custo real total, já que a experiência indicava algo bem mais elevado. Desaprovadas as contas em razão dessas divergências, que revelavam inegável utilização de recursos não contabilizados (caixa dois), reuniram-se representantes dos nove partidos que compuseram as duas coligações adversárias à chapa vitoriosa para examinar o que fazer com aquele material. Foi então que tive o prazer e a honra de conhecer o colega Alex Niuri da Silveira, advogado da coligação liderada pelo PMDB. Decidiram os representantes dos partidos por questionar, formalmente, o custo da revista. Eu e o Dr. Alex Niuri optamos pelo ajuizamento de uma AIJE (sigla de "ação de investigação judicial eleitoral"), uma medida prevista para apuração de irregularidades na arrecadação de recursos para a campanha capaz de culminar com a cassação do diploma ou, se já expedido, do próprio mandato dos eleitos em condições anormais. Definimos juntos as diretrizes da ação e fui honrado com a confiança do Dr. Alex para redigir a petição inicial e as demais peças principais do processo. Agradeço a ele por essa demonstração de confiança e destaco que o Dr. Alex foi fundamental em momentos decisivos, como na audiência de instrução, em Americana, em que, diante da recusa do juiz em realizar perícia, propôs que fossem ao menos levantados três orçamentos junto a gráficas diferentes. E foi brilhante nas sustentações orais, cujos tempos dividimos, tanto em São Paulo, perante os desembargadores do TRE, como, em especial, diante dos ministros do TSE, em Brasília. Com a petição inicial, já havíamos apresentado um orçamento de uma gráfica que girava em torno de R$600 mil. Em sua defesa, os próprios acusados trouxeram orçamentos superiores a R$200 mil. Já os solicitados pelo juízo, corrigida uma distorção provocada pela formulação da consulta, revelaram valores que variavam de R$700 mil a R$1 milhão. Além disso, já na inicial demonstramos que um calhamaço em branco de papel sulfite comum, com o mesmo formato e número de páginas da revista questionada, considerando o valor estimado de uma doação feita pela Suzano a todos os candidatos (portanto, valor declarado por todos nas respectivas prestações de conta), cada exemplar haveria de custar pelo menos R$2,38, totalizando R$178.500,00. De folhas sulfite comum em branco, repito. Esses dados, a par de testemunhos como o do coordenador da campanha tucana e o do contador da gráfica que imprimiu as revistas, além de outros elementos de prova, foram determinantes da convicção dos relatores de que houve utilização de recursos não contabilizados, "caixa dois", da ordem de no mínimo R$200 mil, mas que podem ter chegado a bem mais que isso, algo em torno de um milhão de reais. Ora, a lei eleitoral exige que todos os valores utilizados numa campanha transitem pela conta-corrente dos candidatos, aberta especialmente para trânsito dos recursos. É regra que pretende evitar arrecadação e gastos ilícitos, de modo a garantir a lisura do pleito e proporcionar a igualdade de armas entre os concorrentes. Diego de Nadai não foi derrotado nos tribunais por seus adversários, nem por meras suposições. Diego de Nadai foi cassado porque ficou sobejamente provado o abuso do poder econômico, que tonificou sua campanha, gerando desigualdade em relação aos concorrentes, desequilibrando-o em seu favor. A revista foi só a parte visível do verdadeiro inimigo que o derrubou: a soberba dos que comandaram sua campanha. Além do Dr. Alex, destaco que foi de extrema importância também a colaboração da Drª Adriana Alves no acompanhamento das audiências e demais compromissos processuais. Registro também a colaboração, ainda no âmbito do corpo jurídico da campanha de 2012, do Dr. Alessandre Pimentel, hoje presidente da OAB de Nova Odessa, sem esquecer da participação inicial dos colegas Nathália Brisolla de Mello, André Buck e Rogério Santa Rosa. A ação judicial que culminou com a cassação do prefeito e do vice de Americana foi a mais importante e uma das mais trabalhosas desses meus 26 anos de carreira jurídica, que me levou a estrear na sustentação oral em tribunais, mas não me alegro nem um pouco por ter obtido a cassação de quem foi eleito pela soberana vontade popular. Orgulho-me, porém, de ter atuado num processo que desvendou o inimigo oculto que viciou essa vontade, o abuso do poder econômico. E por ter, ao fim e ao cabo, contribuído para consagrar o que a Constituição Federal denomina Estado Democrático de Direito. Luís Antônio Albiero

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